Sabe aquele tipo de polêmica que surge quando alguma celebridade branca começa a usar algum adereço típico das pessoas negras, como o cabelo black power? A crítica que se faz a este tipo de comportamento se insere na chamada apropriação cultural.
O conceito de apropriação cultural se refere a um indivíduo, pertencente de determinada cultura, se apodera de elementos de uma outra cultura a qual ele não pertence. A grande questão aqui é que existe algum uso indevido feito por um grupo social hegemônico, com mais poder que aquele do qual ele usurpa algo.
Assim, a crítica é que esta atitude pega algum tipo de manifestação cultural e a retira de seu contexto original, o que de certa forma a desrespeita e a esvazia de sentido. É o que acontece, por exemplo, quando adereços religiosos são usados como mero adorno estético ou quando grupos étnicos são representados em fantasias de Carnaval.
Exemplos de apropriação cultural
(Fonte: MGM/Avon Productions)
É bastante comum que grandes empresas da moda sejam criticadas por trazerem artefatos culturais de grupos étnicos minoritários em suas novas coleções — sem, claro, dar qualquer tipo de compensação, financeira ou não, a estes grupos.
Um exemplo foi quando a marca italiana Prada lançou, em sua coleção de 2020, uma sandália de couro trançado com um padrão muito semelhante ao utilizado nas sandálias feitas por artesãos no nordeste do Brasil. O detalhe é que, além de copiar a estética, a Prada cobrava cerca de 4 mil reais pelo calçado. A empresa acabou sendo acusada tanto de plágio quanto de apropriação cultural.
Mas os exemplos vão além da moda. Para se ter uma ideia, até Elvis Presley é acusado de ter realizado apropriação cultural. Hoje apontado como o “rei do rock and roll”, Elvis teria se apropriado de elementos inaugurados por artistas negros, como a dança baseada em ritmos afro-americanos desempenhada por cantores como Chuck Berry e Little Richard, que ficaram muito menos famosos que Elvis.
Por que é importante pensar na apropriação cultural?
(Fonte: Nelson Antoine/UOL/Folhapress)
Para alguns, toda esta discussão pode parecer exagerada. No entanto, ela é bastante relevante, especialmente em tempos como os nossos em que as mídias digitais facilitaram muito a circulação de imagens de bens culturais — em boa parte das vezes, extraídas de seus contextos originais.
Ou seja, hoje temos muito mais riscos de nos “aproveitarmos” de outras culturas para os nossos próprios interesses (o que pode ser, por exemplo, ganhar dinheiro com produtos que usam elementos de grupos minoritários estigmatizados), mesmo que nossa intenção seja boa.
Sobre este tema, a jornalista de moda Tamsin Blanchard explicou à BBC: “está mais fácil do que nunca roubar um motivo ou uma técnica artesanal e transferi-lo para uma peça de roupa que é produzida em massa ou aparece em uma passarela sem crédito ou compensação para suas comunidades originais”.
Uma discussão que costuma aparecer sobre o tema envolve pensar se toda produção cultural não é, na verdade, inspirada em outras que existiram antes dela. E a resposta é sim. Mas especialistas alertam que isso não pode servir de desculpa para tirar algum tipo de vantagem em cima de outros povos.
No contexto da indústria da moda, a antropóloga cultural Sandra Niessen explica: “todos os povos em todos os lugares se inspiram em outros lugares. O problema é a hierarquia, com estilistas no topo e roupas indígenas na base, a serem saqueadas, mas não reconhecidas”. Por isso, vale a reflexão sobre de onde estão surgindo as nossas ideias e se elas estão, ou não, fazendo uso indevido de algo que não nos pertence.
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