Se o código de conduta japonês dava ênfase em aspectos que construíam a moral de um guerreiro, como coragem, honra e a morte com dignidade —, os espartanos foram forjados sob a força mitológica indestrutível e a tenacidade militar pela qual ficaram conhecidos desde a Batalha das Termópilas, em 480 a.C., quando uma pequena força de soldados espartanos ficou para trás para lutar até a morte contra um exército persa bem superior.

Devido a isso, até hoje a palavra espartano é sinônimo de um lutador de grande habilidade, indiferente à dor e ao medo. Não é para menos que treinamentos físicos de alto impacto e rendimento ganharam o nome de “atividade espartana”, bem como dietas que visam transformar o corpo de uma pessoa em um ideal de um guerreiro daquele tempo.

E foi exatamente essa ideia inspiradora por trás da imagem de um espartano, que os ideais foram romantizados e absorvidos por extremistas políticos para se lançarem em um futuro utópico de resistência e sobrevivência a todo custo.

Uma mentira problemática

(Fonte: The Delta Statement/Reprodução)(Fonte: The Delta Statement/Reprodução)

Assim como os japoneses, os guerreiros espartanos foram criados sob um sistema educacional e de treinamento chamado Agoge, que visava fazer os jovens desenvolverem força, resistência e solidariedade, características que compunham as virtudes militares. Para isso, eles foram submetidos a métodos tão extremos que alcançaram níveis de crueldade, sacrificando as condições mentais e emocionais dos meninos, no que hoje seria considerado uma experiência traumática.

Além disso, o treinamento começava aos 7 anos, quando os meninos eram avaliados logo após o nascimento por anciãos espartanos e apenas os mais robustos e saudáveis eram permitidos viver, enquanto os demais eram deixados no sopé de uma montanha para morrer.

Para Myke Cole, escritor de A Mentira de Bronze: Quebrando o Mito do Poderoso Espartano, para The New Republic, todo esse mito do poderoso estado-guerreiro que seduz as sociedades há milhares de anos se tornou um fetiche e câncer social, criando uma mania chamada “laconofilia”, proveniente da Lacônia, região onde os espartanos vieram.

(Fonte: Rolling Stone/Reprodução)(Fonte: Rolling Stone/Reprodução)

“Em meu livro, analisei o histórico militar completo de Esparta e provo que eles não eram os super-guerreiros que diziam ser, e que a maioria das pessoas acredita que foram, se baseando no filme 300 de Frank Miller, o que transformou essa ideia ainda maior”, disse Cole no episódio 407 do podcast Geek’s Guide to the Galaxy.

O filme 300 (2006) estrelado por Gerard Butler e Rodrigo Santoro, dirigido por Zack Snyder e Noam Murro, ajudou a mitificar ainda mais o papel do espartano na Batalha das Termópilas, inclusive a frase apócrifa e desafiadora do rei Leônidas ao persa Xerxes: Molon labe (“Venha e pegue”), à exigência do inimigo persa para que os espartanos entregassem suas armas. Isso estampou camisetas, bandeiras e adesivos, colocando os guerreiros invencíveis — que estavam longe disso — em posição de ainda mais poder na sociedade.

A frase se tornou um hino aos defensores das armas e do Brexit em 2019, à qualquer percepção exagerada ao uso indiscriminada delas. O grupo de 28 pessoas se autodenominou “espartanos” por sua vontade obstinada de resistir e se sacrificar em obediência às próprias convicções.

Contaminando tudo

(Fonte: Pittsburgh City Paper/Reprodução)(Fonte: Pittsburgh City Paper/Reprodução)

Toda a posição de Cole nesse cenário recebeu muitas críticas, principalmente pelo seu artigo à The New Republic e seus dois livros que discutem sobre como a narrativa de espartano poderoso e vitorioso foi absorvida pela extrema-direita como ideal de luta.

“Mas isso só me mostrou que estou realmente minerando uma veia aqui que precisa ser explorada”, disse ele em entrevista ao podcast.

No entanto, ele não parece estar sozinho em sua visão, visto que vários historiadores o apoiam em como o mito espartano entrou como um problema na sociedade desde o século passado, como ressaltou Emma Aston, especialista em estudos clássicos e catedrática da Universidade de Reading, no Reino Unido, em matéria à BBC.

(Fonte: New Trajectory/Reprodução)(Fonte: New Trajectory/Reprodução)

Aston pontuou que se faz necessário considerar alguns aspectos antes de aceitar os espartanos como um ícone perfeito dos nossos valores modernos, porque podem e já foram apropriados por extremistas, como aconteceu na Alemanha de Adolf Hitler, em 1930, quando os espartanos serviram de inspiração militar e estética para o Terceiro Reich. Eles também representaram uma referência para o que seria a ancestralidade mestra da raça ariana, legitimando o antissemitismo e outras formas de xenofobia.

Além disso, o modelo espartano de masculinidade aprovava as relações sexuais entre homens, porém as repudiava no contexto social, ou seja, no momento de compor famílias, quando eles terminavam o Agoge, aos 30 anos. Durante todo esse período, eles aprendiam a reprovar a emoção, o indivíduo e enaltecer o Estado, se distanciando de tudo o que o homem precisa ser na atual sociedade que caminha para um futuro.

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