Um chinelo de borracha achado em um pavimento do Museu Paulista da Universidade de São Paulo (USP) tem gerado muita discussão. Ele foi encontrado numa parte localizada próxima às vigas do forro do edifício, em meio à reforma pela qual a instituição está passando nos últimos 10 anos.
Cerca de 1.250 objetos já foram localizados no interior do museu, que também é chamado de Museu do Ipiranga. Dentre os artefatos estão garrafas, um cálice e o cachimbo. O pé de chinelo, no entanto, causou atenção especial dos pesquisadores.
O mistério do chinelo de dedo
(Fonte: G1)
O formato do chinelo é bem conhecido dos brasileiros. Ele corresponde a um pé esquerdo e tem uma base feita de borracha e tiras cravadas com adornos em relevo. Sua cor é indefinida, mas remete um pouco a um tom entre o verde e o azul.
Ou seja, parece muito uma tradicional Havaianas. Inclusive, há um detalhe também bem popular: o calçado exibe um prego que prende as tiras na base, dando a entender que o dono do chinelo tentou consertá-lo ao invés de comprar outro.
Mas ainda assim há um mistério, pois as sandálias Havaianas — marca brasileira que surgiu inspirada nos chinelos tradicionais no Japão feitos de palha de arroz — foram inventadas em 1962, enquanto a construção do museu data do fim do século XIX.
A polêmica em torno do chinelo
(Fonte: G1)
A discussão em torno deste chinelo envolve pensar se ele também seria uma peça de museu. Renato Kipnis, que é diretor da Scientia Consultoria Científica, a empresa que faz o monitoramento arqueológico desta obra, explicou à BBC que a natureza deste trabalho — em que se recupera artefatos escondidos em uma obra arquitetônica — tem base na legislação estabelecida para o patrimônio brasileiro.
No entanto, projetos como o que está sendo feito no Museu do Ipiranga nem sempre são vistos como necessários — mesmo pelas pessoas que trabalham neles. “Até os funcionários da reforma se questionam sobre a real necessidade desse trabalho”, informa Kipnis.
Por conta disso, o próprio museu resolveu usar a descoberta do chinelo para levantar um debate sobre o valor dele. Por isso, no dia 13 de abril, foram feitas postagens nas redes sociais do museu com fotos do artefato e uma legenda que dizia: “Qual deve ser o destino dessa peça? O chinelo deve ir para o lixo ou para a reserva técnica? Se a decisão fosse sua, o que você faria?”.
Segundo Kipnis, as respostas às postagens foram diversas e interessantes. “Dá para bolar um curso na universidade e passar o semestre inteiro discutindo o que as pessoas escrevem”, pontuou o diretor.
Havia os que, divertidamente, colocavam o chinelo consertado com prego como um patrimônio da cultura brasileira. Houve também quem destacou a importância histórica da peça, uma vez que há pistas que sugerem que o chinelo era de um operário, ou seja, alguém da classe trabalhadora. Mas nem todos os retornos foram positivos ou engraçados. Há quem veja na discussão como uma forma de forçar valores artísticos onde não existe nada.
Sobre isso, Amâncio Jorge de Oliveira, vice-diretor do Museu do Ipiranga, opinou: “Acho legítimo que se defendam certos valores. O que não acho legítimo é que esses valores não sejam tensionados, que não se estabeleçam novas perspectivas para a complexidade das nossas relações sociais. E o que nós queremos é justamente isso, abrir um diálogo mais interessante sobre a sociedade brasileira e suas múltiplas facetas”, disse à BBC.
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