Uma descoberta intrigante feita pelo fitopatologista Theodor Diener em 1967 deveria ter revolucionado a biologia molecular: um agente infeccioso que, embora classificado a princípio como vírus, apresentava características totalmente distintas. Batizado de viroide, esse agente replicador era um fragmento de material genético que não produzia proteínas e nem tinha uma embalagem (capsídeo) para seu genoma.

Embora constituindo um mundo inteiramente novo de entidades biológicas, os viroides permaneceram esquecidos por mais de meio século pela comunidade científica. Somente em 2020, Benjamin Lee, do Centro Nacional de Informação sobre Biotecnologia, nos EUA, iniciou uma pesquisa sobre esses agentes subvirais, mesmo sem ter a menor ideia do que se tratavam.

Logo o pesquisador se encantou com os viroides. Eles consistem em uma fita de RNA circular, sem o capsídeo, que, para se replicar, sequestra uma enzima que a célula hospedeira normalmente usa para produzir seu próprio RNA. A enzima circunda o viroide e faz cópias em uma longa cadeia de RNA, que depois é cortada em pedaços menores, formando bastões.

Os viroides “viralizam”

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Em 2023, já haviam sido identificados mais de 11 mil tipos de viroides. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

A partir de 2021, os viroides, literalmente, viralizaram na literatura científica, com o surgimento de novas pesquisas, que conseguiram identificar alguns novos tipos, como obeliscos, ribozivírus e satélites, presentes em uma variedade surpreendente de organismos e microrganismos. Os agentes microscópicos se estendiam muito além das plantas já estudadas.

Em 2023, Lee e seus colegas já haviam identificado mais de 11 mil RNAs circulares semelhantes, que incluíam os “ribozivírus”, com características tanto de vírus quanto de viroides. Outra classe ambígua, encontrada em fungos, os ambivírus foram descritos como híbridos de vírus de RNA e elementos parecidos como viroides.

A descoberta mais surpreendente, no entanto, viria em 2024, com o estudo “Colônias semelhantes a viroides nos microbiomas humanos”, publicado na revista Cell: os obeliscos. Esses pedaços circulares de material genético contêm um ou dois genes e se auto-organizam em forma de haste, dentro da boca e do intestino humanos. Foram identificados 29.969 tipos distintos de entidades codificando proteínas chamadas oblins.

Quais as implicações das descobertas de viroides para a biologia?

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Os obeliscos, um tipo de viroide, foiam descobertos recentemente na boca e no intestino humanos. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Se os vírus, estimados em 10 nonilhões no planeta, são considerados limítrofes no que entendemos por vida, por serem incapazes de se replicar sem a ajuda de um hospedeiro, o que dizer então dos viroides? São entidades vivas ou apenas manifestações de uma química complexa? As respostas a essas perguntas podem revolucionar os conceitos fundamentais da biologia.

Já existe um movimento crescente na comunidade científica, que sugere abandonar a visão binária da vida e adotar uma perspectiva de espectro, na qual entidades poderiam ser classificadas em um continuum de “vivacidade”. Nessa escala, viroides e afins ficariam na base, considerados mais vivos do que rochas, e menos vivos que bactérias, homens e elefantes.

Sobre a origem dessas entidades biológicas, também não há consenso científico. Uns propõem que os viroides possam ter surgido espontaneamente de células vivas. Outros apostam que eles podem ser “fósseis vivos” das primeiras formas de vida autorreplicantes que formaram o “mundo do RNA” primordial na Terra.

Desafios futuros para o estudo dos viroides

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Os viroides podem explicar o “mundo de RNA” que formou a vida em nosso planeta. (Fonte: Getty Images/Reprodução)

Por mais que o conhecimento produzido nos últimos cinco anos seja infinitamente maior do que o gerado nos cinquenta anteriores, os cientistas entendem que as descobertas já feitas representam apenas uma pequena fração do universo dos viroides. Nesse sentido, as ferramentas de pesquisa atuais podem ter deixado passar, por limitação técnica, um vasto universo microscópico ainda inexplorado.

Mesmo a classificação das entidades já descobertas tem sido um desafio complexo para os taxonomistas. Além de as categorias atuais não estarem dando conta de abrigar a diversidade de formas e comportamentos descobertas, as novas entidades transitam com frequência entre diferentes categorias, pois adquirem ou perdem características através da sua contínua evolução.

Embora a compreensão do real impacto dos viroides na saúde humana, e de outros seres vivos, ainda seja insuficiente, a sua presença em muitos ambientes e suas formas variadas sugerem um papel importante nos sistemas biológicos. Portanto, futuras pesquisas nesse campo poderão não apenas revelar novas entidades e mecanismos moleculares, mas também fornecer informações valiosas sobre a origem e a natureza da vida na Terra.

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